Um certo dia, em um lugar onde nem o tempo nem o espaço seguem a nossa costumeira ordem natural das coisas, um sábio e velho druida dos tempos de outrora resolveu descansar embaixo de um pé de carvalho que ficava bem no meio de uma clareira que fazia divisa com diversos caminhos. E lá ele descansou, até que um jovem bardo, vindo de um dos caminhos que se abriam em frente, ao vê-lo descansar, depositou sua harpa em seus pés e sob seus joelhos, pediu humildemente conselhos e ensinamentos. O druida gentilmente respondeu:
Cara criança que vaga a contar histórias
Aguardai sob as sombras deste carvalho
Receberás ensinamentos e outras maravilhas
Tão puras quanto as gotas do orvalho
Verás o tempo passar ao teu lado
Como um viajante que não se demora
Preste atenção a cada detalhe revelado
Pois será a maior história de antes, depois ou de agora
Humildemente, o bardo, agradecido pela honra, sentou-se à sombra do carvalho, próximo ao druida, esperando que ele começasse a lhe ensinar os segredos e mistérios que ele a muito buscava...mas nada o druida falava, somente olhava para a estrada à frente, a esperar não-se-sabe-o-quê. O bardo sabia que, se lhe fora mandado esperar, algo iria ocorrer, mas a impaciência da juventude estava a lhe coçar as entranhas, até que, do nada, apareceu um grupo de druidas...diferentes, é verdade, pois não se pareciam em nada com os druidas das Gálias, ou da Bretanha, ou sequer da Escócia ou da Irlanda...estes que lá no horizonte apontavam andavam vestidos de forma um pouco diferente dos antigos, alguns usando barbas estranhas, panos e faixas na cabeça...mas ainda assim, eram druidas. O grupo se aproximou de onde estavam, já inquirindo aos dois, informações de quem eram. O druida respondeu:
Sou de cada árvore da floresta
Sua escrita de sabedoria
Sou do raio de Sol que toca os rostos
Aquilo que aquece com seu calor
Sou de cada gota de água do mundo
O conhecimento de uma vida em um segundo
Sou do vento que sopra
O sussurro que a alma toca
Sou apenas o que sou
Apenas mais um no meio da floresta
Os druidas que ali estavam, alguns se admiravam, outros ignoravam por completo as palavras do velho sábio, e alguns ainda, no auge de sua soberba, proclamaram:
"Pois bem, nós somos druidas!Das três grandes linhagens dos três grandes Arquidruidas de nossa história: John Toland, Henry Hurley e Iolo Morganwg! Se não és de nenhuma linhagem dessas, não sois um druida verdadeiro..."
Mas antes de concluir o pensamento, o velho druida lhe respondeu:
Pois te digo que a nenhuma linhagem dessas eu pertenço e nem pertencerei, pois eu sou o ramo do carvalho que brota e dá frutos, sou o visco que nasce nas copas das árvores, e somente a linhagem da floresta deveria valer para designar um verdadeiro druida ou não!
Os druidas que antes proclamavam suas linhagens saíram sem se despedir, indo em direção de uma das estradas que partiam daquela clareira..do grupo que com eles estava, uma parte resolveu segui-los,mas outra resolveu se sentar à sombra do carvalho e pedir conselhos e ensinamentos do velho druida, que se limitou a repetir o que havia dito antes para o jovem bardo:
Caras crianças que vagam a contar histórias
Aguardem sob as sombras deste carvalho
Receberão ensinamentos e outras maravilhas
Tão puras quanto as gotas do orvalho
Verão o tempo passar ao teu lado
Como um viajante que não se demora
Prestem atenção a cada detalhe revelado
Pois será a maior história de antes, depois ou de agora
Mas desta vez, não aguardaram tanto tempo quanto o jovem bardo teve de esperar, para que outra visita deles começasse a se aproximar. Era outro grupo de druidas, notou o jovem bardo, mas desta vez, totalmente diferente dos que antes com eles estiveram ou que ainda estavam ali. Este também não se vestia como os antigos, e apesar de parecer um pouco com o outro grupo, este por sua vez vinha em uma variedade de cores e trajes ao qual não havia visto antes...não daquela forma! E não vinham em silêncio, diga-se, pois traziam consigo instrumentos musicais que o próprio bardo nunca havia visto, e vinham tocando e cantando, alegres como o Sol da primavera e festivos como o primeiro de maio. Chegaram da mesma forma do grupo de outrora, questionando:
"Quem vocês são, e por que estão a se envolver com esta gente que até fraude comete contra a tradição druídica?!"
Os que eram do grupo que anteriormente haviam passado por ali se revoltaram, quiseram começar uma briga, mas antes de que algo ocorresse e fossem às vias de fato, o sábio druida bateu seu cajado no tronco do carvalho, e com isto chamou a atenção de todos para si. Então ele disse:
Sou apenas a vida que flui no bosque sagrado
Sou a sabedoria do salmão subindo o rio à nado
Sou a força do javali que é invencível na floresta
Sou a visão do voo da águia, que no céu plaina com graça
Sou a velocidade e a destreza do gamo
Que dos outros animais corre ao lado
Sim, sou mais um no bosque sagrado!
E antes que apontem os dedos
Uns para os outros
Saibam que a única ciosa a lhe diferenciar
É simplesmente a maneira de se trajar
Ambos os grupos ficaram sem graça, e do primeiro grupo, todos se sentaram novamente, do segundo grupo, alguns saíram revoltados com a reprimenda, e se dirigiram por uma das estradas que daquela clareira partia, outros, envergonhados, rumaram em outra direção, e uma terceira parte ali resolveu ficar, pois reconheceram no velho druida a sabedoria dos antigos, e eles lhe pediram para ensinar-lhes, o que o druida novamente repetiu:
Caras crianças que vagam a contar histórias
Aguardem sob as sombras deste carvalho
Receberão ensinamentos e outras maravilhas
Tão puras quanto as gotas do orvalho
Verão o tempo passar ao teu lado
Como um viajante que não se demora
Prestem atenção a cada detalhe revelado
Pois será a maior história de antes, depois ou de agora
Mas desta vez, mal conseguiram esperar a poeira dos que foram embora abaixar...novamente veio um outro grupo, totalmente diferente dos demais...vestidos alguns como gauleses, outros como escoceses, outros com trajes nunca visto antes por aquele bardo...calçados de tecido, sandálias multicoloridas...Alguns carregando livros em suas bolsas de viagem, livros estes de grande volume, outros, finos tomos, e todos ali, no meio da floresta, tão alegres e festivos quanto o grupo anterior,apesar de alguns poucos estarem de fisionomia fechada. Ao verem o velho druida e seu grupo aos pés do carvalho, não tardaram de se aproximarem e se apresentarem. Alguns, com a polidez e a educação que se pede, mas alguns poucos, com uma arrogância impar, questionaram o que aquele "monte de abraçadores de árvores" estava fazendo ali. Antes que qualquer um dos grupos presentes pudesse se manifestar, o velho druida , gargalhando, disse:
Quem são aqueles que de tão bom humor
Descrevem nossos atos e pela floresta, o amor?
Estes, por sua vez, responderam, alguns ainda na soberba, alguns perplexos, alguns interessados, mas todos responderam:
"Somos Reconstrutivistas, e temos com o objetivo reconstruir a fé dos celtas, tal qual era antigamente, adaptado para os dias de hoje."
Nisto, o velho druida, curioso como um gato ao encontrar uma caixa, ou uma criança ao ver um embrulho bonito, perguntou como eles fariam isto, pois ele queria saber se poderia ajudar. Alguns se mostraram interessados na proposta, outros entusiasmados, mas uns poucos, aqueles mesmos que agiram com a soberba anteriormente, retiraram livros e mais livros das bolsas e sacolas, e disseram:
"Estes são o conhecimento de que precisamos, meu senhor. Quais as tuas fontes?!"
O sábio druida então respondeu:
Sou aquele que bebeu da fonte
Que brota do alto do monte
Transforma-se em rio,e no horizonte
Depois de por toda terra passar
E os campos irrigar
É no mar que vou desaguar
Sou aquele que os pássaros escuta
E as árvores abraça
E não importa se na alegria ou na desgraça
Da natureza estou a aprender
Pois dela brota a fonte de todo poder
E assim, aprender a ensinar, e ensinar a aprender.
E estes que com arrogância agiram, com arrogância se foram, sem nada entender daquilo que aquele senhor lhes disse. Mas o restante do grupo, estes resolveram ficar, sentaram ao redor do carvalho, e pediram conselhos ao sábio druida. este por sua vez, repetiu aquilo que havia dito antes:
Caras crianças que vagam a contar histórias
Aguardem sob as sombras deste carvalho
Receberão ensinamentos e outras maravilhas
Tão puras quanto as gotas do orvalho
Verão o tempo passar ao teu lado
Como um viajante que não se demora
Prestem atenção a cada detalhe revelado
Pois será a maior história de antes, depois ou de agora
Pois bem, quando os três grupos estavam acomodados na grande sombra daquele carvalho, interagindo uns com os outros, não mais olhando para seu colega ao,lado com desprezo ou arrogância, mas com curiosidade de saber o por quê ali estavam, e descobriram que todos estavam ali pelos mesmos motivos, foi que o sábio druida finalmente olhou para o bardo, indicando que a hora havia chegado, e começou a falar:
Sou a sabedoria dos antigos
Sou daqueles que foram perseguidos
Muitos nos julgavam desaparecidos
E pela floresta, passamos desapercebidos
Sou aquele cuja raiz se estendeu
Pelo solo do bosque, e no outro mundo se perdeu
E aqui estou, a vocês todos a ensinar
A única e verdadeira sabedoria milenar
Cada um de vocês trazem consigo
Um fragmento da sabedoria do povo antigo
Olhem nos olhos de seu amigo
E compartilhem com ele o conhecimento adquirido
Cada um de vocês é uma árvore na floresta
E algum dia, os bardos cantarão esta gesta
Que sem nenhuma falsa modéstia
Foram vocês que abriram esta réstia
Mas cabe a vocês manter o que aqui se construiu
Olhar o outro como ainda não se viu
Como alguém a quem se tem a ensinar
Como alguém de quem se tem muito a aprender
Sejam sábios, como meu povo não foi outrora
E por conta da falta de união, ruíram sob a luz da aurora
Unam-se em uma só floresta sem demora
Vejam as semelhanças na diferença agora
Vocês são os herdeiros do carvalho
Detém a sabedoria e a força de um mundo, já no passado
Mas se não se respeitarem,o bosque será derrubado
e mais uma vez, no mundo serás um ultrapassado.
A floresta não pede que sejam iguais
Mas que aprendam uns com os outros
Pois cada um tem a ensinar demais
e este segredo, sinceramente é para poucos
Neste momento, o sábio começou a andar entre aquele grupo, e quando saiu da sombra daquele carvalho que lhe acolheu por todo aquele tempo, ele mesmo em um outro carvalho se transformou. E cada uma das pessoas, de cada um dos grupos que ali estavam a se reunir com aquele sábio, elas mesmas em árvores também se transformaram...Faias, azevinhos, freixos, olmos, bétulas, pinheiros, macieiras, e tantas outras árvores diferentes, que naquela outrora clareira se transformou em uma majestosa floresta, mostrando aos que viriam depois, que mesmo diferentes,todos faziam parte de um mesmo bosque, um mesmo ideal. O único que uma árvore não se tornou foi o jovem bardo, que ficou com a missão de cantar aos quatro cantos toda a sabedoria que ele esteve a presenciar.